Nomeações por cotas na UFMT superam os 90% de inefetividade; Observatório sugere lista única de candidatos cotistas
Imagem: docentes se manifestam a favor das cotas durante o 42º Congresso do Andes-Sindicato Nacional / Arquivo Andes-SN
Desde 2014, a Lei 12.990 determina reserva de 20% das vagas de concursos públicos federais para pessoas negras. Em 2025, a Lei 15.142 elevou esse patamar para 30%, incluindo indígenas e quilombolas. No entanto, na prática, essa reserva legal tem sido mal cumprida. Na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), por exemplo, a análise dos dados de 2016 a 2024 revelam que, das 532 vagas disponibilizadas para professor do magistério superior – 107 delas reservadas por sorteio -, apenas seis cotistas foram nomeados, o que representa inefetividade de 94,39% com relação às vagas reservadas pelo sorteio.
Os dados são do Relatório de pesquisa baseado em evidências: A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes, elaborado por pesquisadores do Observatório das Políticas Afirmativas Raciais (Opará), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) em parceria institucional com o Movimento Negro Unificado (MNU) – disponível aqui.
E os pesquisadores alertam que a situação pode piorar com a aprovação da Instrução Normativa Conjunta MGI/MIR/MPI nº 261/2025, de 27/06 deste ano, que regulamenta os procedimentos já realizados para sorteio das vagas reservadas para candidatos pretos, pardos, indígenas e quilombolas em concursos públicos.
Os dados históricos mostram que, mesmo com reservas previstas em editais, muitas vagas reservadas não são preenchidas por falta de candidatos aprovados, ou são revertidas para ampla concorrência, porque o sorteio é realizado numa lista única de todas as vagas – reservadas e também da ampla concorrência.
Atualmente, a conversão de vagas destinadas a cotas em vagas de ampla concorrência é realizada por motivos como: falta de candidatos inscritos; falta de candidatos aprovados; quando o candidato cotista é aprovado com nota suficiente para classificação pela ampla concorrência; nos casos em que o candidato negro fica em segundo lugar na classificação geral e a instituição encontra uma “segunda vaga”, não prevista em edital, para nomear o candidato da ampla concorrência, convertendo a nomeação do candidato negro também para a ampla concorrência.
A crítica é que, embora a lei determine que as cotas precisam ser aplicadas em 30% das vagas totais, não exige que sejam distribuídas igualmente entre todas as áreas. Assim, a IN 261/25 cria um procedimento de sorteio para escolher onde aplicar as cotas dentro do total de vagas disponíveis. Este é o procedimento utilizado pela UFMT e outras universidades, mas para os pesquisadores do Opará, este modelo reforça o racismo estrutural, enquanto as universidades que adotaram como modelo uma lista única de candidatos cotistas têm obtido mais efetividade da política.
“A UFPEL [Federal de Pelotas] tem 100% de efetividade de nomeações em vagas reservadas. A Univasf tem 90% de efetividade em vagas reservadas. Ambas fazem lista única dos candidatos negros, considerando o conceito jurídico de cargo efetivo, expresso na lei. A UFMT tem 5,61% de nomeações de cotistas em vagas reservadas por sorteio de especialidades - seis nomeações em 107 vagas reservadas. Se considerarmos o universo de todas as vagas abertas, a efetividade de nomeações pela Lei de Cotas na UFMT é de 1,13% - seis nomeações em 532 vagas abertas para provimento do cargo efetivo de professor do Magistério Superior. Ou seja, inefetividade de 98,87% nas vagas abertas, no período de 2016 a 2024 e inefetividade de 94,39% nas vagas reservadas pelo sorteio”, afirma a professora Ana Luisa Oliveira, professora da Univasf e uma das coordenadoras da pesquisa realizada pelo Opará.
A Associação dos Docentes da UFMT - Seção Sindical do Andes (Adufmat-Ssind) realizou dois debates com a professora Ana Luisa Oliveira este ano, e pautou o assunto em reunião com a Gerência de Exames e Concursos da UFMT, apresentando detalhadamente todos esses dados. A Gerência compreendeu e se comprometeu verbalmente a corrigir a questão do sorteio nos editais futuros, e ficou de enviar formalmente o reconhecimento do compromisso. O documento ainda não chegou, e o sindicato pretende retomar a cobrança do cumprimento da integralidade da Lei de Cotas à Reitoria.
"É grave quando há tentativas de burlar a Lei de Cotas, o processo de heteroidentificação, mas é ainda mais grave quando essa violação parte da própria estrutura institucional, comprometendo a efetividade da lei em âmbito local. É urgente que a UFMT suspenda imediatamente esse sistema de sorteio, e também que assegure, de forma retroativa, o preenchimento das vagas que deixaram de ser ocupadas. A reparação precisa ser real e efetiva, o que exige o cumprimento integral da legislação e a garantia de que todas as vagas, negligenciadas ao longo dos anos por esse mecanismo, que entendemos como uma burla institucional, sejam devidamente preenchidas", afirmou o diretor-geral da Adufmat-Ssind, Breno Santos.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind
Assédio, cotas raciais e causa palestina pautam reunião do ANDES-SN com MDHC
O ANDES-SN participou, na tarde de terça-feira (29), de uma reunião presencial com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) para tratar de pautas urgentes relacionadas à defesa dos direitos de docentes nas universidades federais, estaduais, municipais, distrital, institutos federais e cefets. O encontro foi solicitado pelo Sindicato Nacional, diante da escalada de perseguições políticas e ideológicas no ambiente acadêmico.

Representaram o ANDES-SN, a 2ª vice-presidenta da entidade, Letícia Carolina Nascimento, e a 2ª vice-presidenta da Regional Planalto, Muna Muhammad Odeh. A reunião foi conduzida por Wilma Coelho, chefe da Assessoria Especial de Educação e Cultura em Direitos Humanos, Meio Ambiente e Empresas do MDHC.
Durante o diálogo, as diretoras do ANDES-SN apresentaram um panorama de denúncias de criminalização e assédio institucional contra docentes, com destaque para os casos ocorridos na Universidade de Brasília (UnB), onde professoras e professores têm sido alvo de perseguições em razão de suas áreas de atuação, especialmente em temas ligados aos direitos humanos, gênero, raça e relações internacionais. Elas alertaram ainda para a influência de grupos de extrema direita nos ataques e para a omissão de Reitorias e instâncias institucionais frente às denúncias.
Também foram relatadas situações emblemáticas de criminalização de docentes e dirigentes sindicais que se posicionam em defesa da democracia e da liberdade acadêmica, como as de Márcio Silva (UFPB) e Jacyara Paiva (Ufes), ambos alvos de processos administrativos (PAD) que, mesmo arquivados, evidenciam o uso político e ideológico dessas ferramentas. Casos recentes envolvendo docentes das universidades federais do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Fluminense (UFF), e Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), alvos de processos abertos por suas participações na greve federal da educação em 2024, também foram denunciados.
Os episódios acima, entre tantos outros, inspiraram a criação da campanha “Lutar não é crime”, lançada no ano passado pelo Sindicato Nacional, em defesa do direito de greve e da livre organização docente. A ação foi intensificada pelo ANDES-SN em 2025 e segue em pauta, uma vez que as perseguições à categoria continuam crescendo.
Outro ponto central da reunião foi o posicionamento do ANDES-SN pela suspensão imediata das relações diplomáticas entre o Brasil e Israel, em resposta às graves violações de direitos humanos e práticas genocidas cometidas pelo Estado sionista contra o povo palestino. Muna Odeh destacou que essas relações impactam negativamente a comunidade acadêmica brasileira, em especial docentes, pesquisadoras e pesquisadores palestinos, além de quem atua em estudos críticos sobre o conflito.
O Sindicato também apresentou o “Protocolo de Combate, Prevenção, Enfrentamento e Apuração de Assédio Moral e Sexual, Racismo, LGBTfobia e qualquer discriminação e violência”, construído a partir das demandas da base. O documento propõe diretrizes para o acolhimento, apuração e responsabilização em casos de violência nos espaços acadêmicos, considerando o agravamento da violência política e ideológica nas universidades.
A defesa das cotas raciais no acesso à docência no ensino superior também esteve entre os temas centrais levados ao Ministério. O ANDES-SN reafirmou seu compromisso com as ações afirmativas como instrumentos de reparação histórica e denunciou práticas institucionais e judiciais que tentam deslegitimar docentes negras e negros que ingressaram por meio dessas políticas. Foram citados casos de docentes nas universidades federais do Vale do São Francisco (Univasf) e da Bahia (Ufba), cujos vínculos e legitimidade vêm sendo atacados de forma racista e institucionalmente violenta.
Além disso, o Sindicato Nacional reforçou sua rejeição ao uso do sorteio como critério de seleção nas políticas afirmativas, defendendo que o acesso por cotas deve ser baseado em critérios classificatórios que reconheçam as trajetórias, qualificações e o mérito de sujeitos historicamente excluídos.
“Aproveitamos para reforçar duas pautas centrais que demandam um posicionamento firme do Ministério. A primeira é o fim imediato dos sorteios nas políticas de cotas, uma prática que, na verdade, rifa os direitos da população negra e desvirtua completamente o sentido político das ações afirmativas. A segunda é o rompimento definitivo de todas as relações com Israel, incluindo quaisquer acordos de cooperação, especialmente com nossas universidades e centros de pesquisa aqui no Brasil. Para nós, manter essas parcerias é, infelizmente, compactuar com o genocídio”, disse Letícia Nascimento, 2ª vice-presidenta do ANDES-SN.
De acordo com a 2ª vice-presidenta, a reunião foi avaliada positivamente pelas representantes do ANDES-SN, que destacaram a importância do diálogo institucional com o MDHC para o fortalecimento das lutas em defesa dos direitos humanos, da liberdade acadêmica e da justiça social nas instituições públicas de ensino. “A luta contra as opressões é uma pauta essencial, que move a nossa atuação. Nesse sentido, nosso recente encontro com o MDHC foi crucial. Já no início da conversa pudemos denunciar a perseguição sistemática que atinge nossos e nossas docentes, em especial quem atua com temas vitais como direitos humanos, gênero e raça. Vemos com preocupação como a extrema direita tem usado PADs, gravações e outros artifícios para cercear a liberdade de cátedra em nossas instituições”, concluiu a diretora.
Fonte: Andes-SN
CONVITE | Evento Sou Docente Antirracista: por uma política de reparação das vagas de docentes cotistas
A Adufmat-Ssind e o Andes-Sindicato Nacional convidam toda a comunidade acadêmica da UFMT para o evento "Sou Docente Antirracista: por uma política de reparação das vagas de docentes cotistas", que será realizado nesta segunda-feira, 07/07, às 14h, presencialmente, no auditório do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS).
A convidada para provocar reflexões sobre o tema é a professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Ana Luisa A. de Oliveira. Graduada em Agronomia e doutora em Desenvolviento Rural, em abril deste ano foi a primeira docente negra aprovada pelo sistema de cotas da instituição.
Na ocasião, a professora apresentará resultados de pesquisa que denuncia equívocos na implementação da Lei de Cotas nos concursos da UFMT e apontará ações necessárias para a reparação da oferta de vagas.
Em junho deste ano foi sancionada a Lei 15.142/25, que amplia e atualiza a política de cotas no serviço público federal vigente desde 2014. Com a nova legislação, 30% das vagas em concursos públicos e seleções temporárias serão reservadas para pessoas negras, indígenas e quilombolas.
O evento será gratuito e aberto a todos os interessados.
ATUALIZADA - Nota de repúdio à UNIVASF e apoio à professora Ana Luísa Araújo de Oliveira
*Atualizada às 16h do dia 22/09 para disponibilização do link de acesso à Nota de Esclarecimento da Univasf
O Brasil foi o último país a abolir a escravidão nas Américas, sem medidas reparatórias junto ao povo negro, já que o destino que a branquitude projetou a ele era o extermínio eugenista. Mais de um século depois, tímidas (mas importantes) medidas de reparação foram tomadas, a exemplo das cotas raciais em concursos públicos, mas sua implementação segue sendo um desafio que esbarra na cultura racista do nosso país.
Toda universidade brasileira tem seu resquício de engenho: convivemos com trabalhadoras terceirizadas com contratos que, de tão precários, as colocam muitas vezes em trabalho análogo à escravidão. A produção de conhecimento favorece conteúdos eurocêntricos, bem como os critérios de avaliação. A intelectualidade negra é secundarizada e contestada a todo momento, inclusive, no caso da professora Ana Luísa Araújo de Oliveira, relacionado à execução do concurso público via política de cotas.
A professora em questão, mais que doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul: é uma referência no movimento ecossocialista. Apesar de sua densa trajetória, sua expertise tem sido contestada pela UNIVASF ao arrepio da lei.
Apesar de ser doutora dentro de um programa de pós-graduação com nota CAPES 6, sua titulação foi questionada pela UNIVASF (Universidade Federal do Vale do São Francisco). O Conselho Universitário (Consuni) da própria instituição concluiu que sua titulação está em conformidade com as exigências do cargo, mas a universidade ignorou a posição do conselho, demonstrando que sua real questão não é a preocupação com a qualidade do ensino, mas a indisposição de executar a política de cotas raciais para concurso docente.
Salientamos que 56,1% da população brasileira é negra, segundo o IBGE (2022). É notório que a questão do campo é uma questão do negro, indígena e quilombola no Brasil. Se as universidades brasileiras quiserem pesquisar e apontar saídas para o desenvolvimento rural em nosso país, tais segmentos precisam ser incluídos na produção de conhecimento para que pautem políticas públicas.
Desta forma, a posição da administração da UNIVASF, além de racista, é autoritária, já que desconsidera a decisão do Conselho Universitário, que reconhece a validade do título de doutorado da professora. Além disso, a UNIVASF busca retirar da produção de conhecimento e do ensino os sujeitos envolvidos na questão da terra no Brasil.
A Associação dos Docentes da UFMT (Adufmat-Ssind) defende a democracia. Temos um projeto de universidade antirracista e socialmente referenciada; pautamos a resolução dos conflitos do campo no Brasil em favor dos e das trabalhadoras e, diante desses princípios, vimos a público defender a cadeira conquistada pela professora Ana Luísa Araújo de Oliveira.
Cuiabá, 18 de setembro de 2023
Diretoria da Adufmat-Ssind
Gestão Lutar e Mudar as Coisas nos Interessa Mais
Clique aqui para ler a Nota de Esclarecimento da Univasf sobre este assunto.
Após luta, docentes que enfrentaram racismo institucional tomam posse em suas universidades

Após anos no enfrentamento ao racismo institucional, ao desrespeito à Lei de Cotas no serviço público, idas e vindas de trâmites regimentais burocráticos, o docente Ilzver de Matos Oliveira foi empossado no cargo efetivo de professor adjunto da Universidade Federal de Sergipe (UFS). O ato ocorreu no dia 17 de março, após uma batalha judicial.
Em frente ao prédio da reitoria, amigas, amigos e ativistas de movimentos sociais, além de representantes de religiões de matriz africana homenagearam o professor. Ilzver é negro, advogado, doutor em Direito, candomblecista e ativista dos Direitos Humanos. Ele foi aprovado em 1º lugar pelas cotas raciais e em 2° lugar na ampla concorrência no concurso de 2019 para o Departamento de Direito (DDI) da UFS. Em outubro passado, havia três vagas abertas no DDI e, mesmo assim, a universidade não empossou Ilzver.
O advogado chegou a ser convocado para assumir o cargo, mas teve a nomeação barrada após outro docente da instituição, Uziel Santana, entrar na Justiça reivindicando um remanejamento. Santana, porém, foi acusado de não cumprir as exigências para o cargo - como não ter dado aulas por longos períodos -, de não ter concluído o doutorado e, ainda, de burlar o regime de dedicação exclusiva atuando como assessor parlamentar de deputadas e de deputados federais da bancada evangélica.
Em outubro de 2019, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou investigação para apurar o descumprimento da Lei de Cotas (Lei 12.990/2014) em concurso público para o cargo de professor na UFS. Na época, o órgão expediu a Recomendação nº 5/2019 à UFS, para que a instituição adequasse o edital do concurso público, para provimento de cargo de professor, à jurisprudência do STF. Por sua vez, a universidade disse que acataria o documento, o que não ocorreu.
Ilzver de Matos Oliveira disse que a sua trajetória enquanto estudante negro e pobre na UFS nunca foi fácil. Ele enfrentou dificuldades econômicas para comprar livros, adquirir passagens de ônibus, e até mesmo condições de comprar roupas para os eventos jurídicos, além de passar por episódios de racismo dentro da instituição. “Ingressar como professor efetivo é realmente a demonstração de que a trajetória de uma pessoa de origem como a minha pode ser transformada quando se tem suportes. Eu tive uma família que, apesar de pobre, me incentivou a estudar e eu tive exemplos em casa, apesar de poucos. Tive também condições de não precisar trabalhar para poder estudar e, posteriormente, eu consegui uma bolsa [do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação] que me proporcionou fazer o mestrado e me abriu portas para eu ingressar no mercado de trabalho, por meio da atividade acadêmica”, contou.
O professor lamentou que algumas amigas negras e alguns amigos negros “inteligentes, estudiosos e capacitados”, e que o acompanharam na sua trajetória acadêmica, estão fora da universidade e trabalhando em situações árduas no mercado da educação particular.
UFG
Outro caso emblemático de luta e resistência contra o racismo ocorreu com Gabriela Marques, que em fevereiro deste ano conseguiu ser nomeada professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), após passar em um concurso público na universidade em 2021. Ela foi aprovada em primeiro lugar em todas as etapas do processo seletivo para a vaga reservada para pessoas pretas e pardas. Em abril de 2022, Gabriela teve a sua nomeação suspensa por decisão do juiz Urbano Leal Berquó Neto. No lugar dela, o magistrado nomeou um candidato branco, Rodrigo Gabrioti de Lima, que entrou com um processo questionando a reserva de vagas para cotas.
“Foi um processo muito desgastante porque o próprio concurso público já é cansativo e ter um direito meu sendo questionado assim é muito ruim. Ainda mais por um colega de área que é pesquisador e questiona uma política pública que já tem 10 anos de funcionamento, que tem beneficiado tanta gente e que mudou o próprio perfil das universidades públicas”, criticou. Ela disse que, durante esse percurso, contou com o apoio do movimento negro, dentro e fora da universidade.
Lei de Cotas
Em 2014, foi promulgada a Lei nº 12.990, que determina a reserva de 20% das vagas oferecidas em concursos públicos da administração federal para candidatas e candidatos que se declararem negras e negros. No entanto, muitas universidades públicas ao realizarem seus processos seletivos vaga por vaga não têm destinado vagas para a reserva, conforme prevê a Lei.
Em março deste ano, diretoras do ANDES-SN estiveram reunidas no Ministério da Igualdade Racial com a secretária de Políticas de Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo, Márcia Lima. Entre outras pautas, foi abordada a necessidade de garantir a efetivação,a ampliação e permanência da Lei 12.990/2014, que tem vigência até 2024.
Segundo Rosineide Freitas, 1ª vice-presidenta da Regional Rio de Janeiro do ANDES-SN, Márcia Lima informou que o ministério já está se movimentando para que uma proposta que seja apresentada ao Congresso Nacional antes que legislação perca validade. “Já está em elaboração uma nova legislação que dê conta da política de cotas nos concursos públicos, mas que traga alguns avanços. Nesse sentido, eles [MIR] também estão olhando para as especificidades no que se refere aos concursos públicos das universidades”, contou a diretora do ANDES-SN.
Ufes descumpre lei de cotas para docentes negras e negros em concursos públicos
ANDES-SN se reúne com secretaria do MIR para discutir políticas de cotas e ações afirmativas
Fonte: Andes-SN
Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Mesmo experimentando dias nunca antes vividos na história deste país, do que destaco a importante condenação de Lula, na Lava Jato, e todas as ações políticas e jurídicas, em curso, contra Temer, portanto, tendo muito a dizer sobre esse panorama, falarei das cotas raciais; e o faço para atender um pedido de um médico/professor de Medicina. Como cidadão, o motivo de sua solicitação me inquietou.
Começo lembrando os leitores de que, desde as primeiras discussões sobre o tema em pauta, tenho me apresentado contrário às cotas raciais. Mesmo relutante, aceito as cotas sociais. Essa postura não significa que eu desconheça e/ou desconsidere o racismo à brasileira e as dívidas (econômicas, sociais, culturais, artísticas...) que o estado tem para com todos os que compõem a gigantesca camada social de pobres (brancos, negros, indígenas et alii) espalhados alhures, porque produzidos historicamente a toneladas.
Sou contra essas saídas – aliás, confortáveis ao sistema – por estarem inseridas naquilo que se chama de “políticas focalizadas”, eufemisticamente vistas como compensatórias. Seja como for, um ou outro nome já nos ajuda, politicamente, a fazer uma leitura razoável da questão.
Como ações “focalizadas”, tudo está obviamente posto. De um contingente de brasileiros a perder de vista, alguns serão seus “representantes”, seja onde/como for, mas principalmente nas universidades. Na perspectiva das compensações, tudo também está igualmente posto. Compensar, nessa grave questão, é oferecer migalhas caídas de uma mesa farta, mas para poucos.
Em outras palavras, as políticas focalizadas/compensatórias mantêm a exclusão, algo que se pensa, assim, combater. Ao manter a exclusão, deixam-se intactas as estruturas de desigualdades sociais, como em poucas partes do mundo se pode ver tão agressivamente. Deixando intactas as estruturas, protelam-se para o nunca as necessárias alterações estruturais em todos os setores, com destaque à educação, base para qualquer mudança de patamar social de alguém e/ou de um povo.
Mas a despeito disso tudo, agora, numa observância micro da questão, chego à centralidade deste artigo: a suposta postura acadêmica da maioria dos alunos cotistas em cursos de Medicina.
Consoante o médico de que falei no primeiro parágrafo, acadêmicos cotistas do referido curso – diferentemente de cotistas das licenciaturas, p. ex. – estariam constrangendo seus mestres exatamente pela condição de cotistas. Trariam consigo, pasmem, uma cultura de supervalorização de seus direitos adquiridos em relação a seus deveres. Essa postura – nada acadêmica – estaria tornando-os seres prepotentes.
Tentando explicar melhor: a descendência afro, indígena et alii – motivo que lhes deu o direito à vaga pelas cotas – seria usada para constranger seus professores em todas as dinâmicas do curso, mas principalmente nos processos avaliativos.
Como a maioria desses alunos, por conta da deficiente base escolar, traz pouco acúmulo intelectual, com destaque à dificuldade de leitura, sentir-se-iam discriminados toda vez que suas dificuldades ficassem visíveis. Ao se sentirem assim, assumiriam uma postura de vítimas de seus mestres.
Fiquei preocupado com essa informação, transposta, aqui, no futuro do pretérito. Diante desse relato, que para mim era novidade, espero que os envolvidos diretamente na questão (universidades e movimentos sociais da causa) busquem informações, e não se privem dos debates.
A denúncia é grave. A apuração é necessária.