Terça, 19 Maio 2020 12:30

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*
 

A partir deste sábado, 16 de Maio até o domingo da próxima semana, dia 24 de maio de 2020, o mundo católico e também bilhões de fiéis de outras religiões estarão comemorando  mais uma SEMANA DA LAUDATO SI, o quinto aniversário desta, que pode ser considerada a mais importante Encíclica voltada para as questões ambientais ou o que o seu autor, o Papa Francisco, tem enfatizado como ECOLOGIA INTEGRAL.

No dia 24 de Maio de 2015, mesmo ano em que a ONU apresentava ao mundo os OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTLO SUSTENTÁVEL, o PAPA FRANCISCO, divulgou, ofereceu `a Igreja Católica e a todas as pessoas de bem ao redor do mundo,  a “LAUDATO SI” (LOUVADO SEJA”), a chamada ENCÍCLICA VERDE, que dentro de uma semana estará comemorando seu quinto aniversário.

Mesmo que o mundo esteja em meio à PANDEMIA do CORONAVIRUS, também denominada de CONVID-19, em meio a muito medo, as vezes pânico, um tremendo sofrimento e centenas de milhares de mortes, nem por isso, devemos esquecer que pesa sobre o planeta terra um grande desastre preconizado por cientistas, governantes, estudiosos, já anunciado, tendo como, se é que podemos assim denominar de epicentro, as mudanças climáticas, cujas consequências poderão e com certeza serão muito maiores do que as provocadas pelo CORONAVIRUS.

Logo no inicio da LAUDATO SI, o PAPA FRANCISCO refere-se ao cântico de São Francisco de Assis, o Santo da Ecologia, do Meio Ambiente e de todas as criaturas viventes sobre a terra, quando ele (São Francisco de Assis) assim dizia “Louvado seja, meu Senhor, pela nossa irmã, a MÃE TERRA, que nos sustenta e governa e produz variados frutos, com flores coloridas e verduras”.

A este cântico, o Papa Francisco aduz o inicio de seu pensamento desenvolvido ao longo da Encíclica, quando afirma “Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nos colocou. Crescemos pensando que éramos seus proprietários e DOMINADORES, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano, ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados (o centro das preocupações, das exortações e do pensamento do Papa Francisco), encontra-se a nossa TERRA OPRIMIDA e devastada, que está “gemendo como que em dores de parto”.

A Laudato Si é constituída, além de uma parte introdutória, mais seis capítulos que orientam o leitor a uma viagem, uma caminhada, dentro da metodologia utilizada pela Igreja Católica, o VER, OUVIR E AGIR. Isto pode ser observado a partir dos títulos de cada capítulo: I) O que está acontecendo com a nossa CASA COMUM; II) O evangelho da criação; III) A raiz humana da crise ecológica; IV) Uma ECOLOGIA INTEGRAL; V) Algumas linhas de orientação e ação; VI) Educação e espiritualidade ecológicas. Em sua versão impressa, documento 201 da CNBB, da Edições Paulinas, a “Laudato Si” tem 197 páginas e em uma de suas versões online tem 87 páginas e na versão do site do Vaticano tem 197 páginas.

A “Laudato Si” está inserida e contribui para a atualização da Doutrina Social da Igreja (DSI), inserindo na mesma uma preocupação cristã e católica quanto ao destino de nossa CASA COMUM, que é o Planeta Terra, afinal, como diz o Papa Francisco “Tudo esta interligado”, o mundo é, neste sentido uma “aldeia global” e, como tal, todos somos responsáveis pelo que é de bom ou de ruim; de certo ou errado que fazemos quando nos relacionamos com a natureza.

O ser humano não existe sem a natureza e esta, inserida no contexto da criação divina, só tem sentido se colocar a humanidade de forma integrada, por isso, somos um todo único e o destino da humanidade está diretamente inserida no destino do planeta terra, que, lamentavelmente, está sendo destruído de forma impiedosa, principalmente quando se coloca a exploração irracional dos recursos naturais, na busca e na transformação desses recursos naturais como base para o lucro, para cultuar de forma desmedida o “deus mercado”, que tantos males tem feito ao planeta terra.

Na “Laudato Si” (item 13)  Francisco afirma de forma enfática “O urgente desafio de proteger nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana, na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar” e a seguir ele reafirma o seu apelo dizendo “Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos construindo o futuro do Planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental que vivemos  e as suas raízes humanas dizem respeito e tem impacto sobre todos nós. O movimento ecológico mundial já percorreu  um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas  agregações de cidadãos que ajudaram na conscientização”.

Esta exortação e apelo do Papa Francisco não é direcionado apenas aos católicos, mesmo que este seja um dos maiores grupos religiosos do mundo, com mais de 1,3 bilhão de adeptos, que, juntamente com os protestantes/evangélicos totalizam, como cristãos, 2,2 bilhões de pessoas; seguindo-se também os demais grupos religiosos, como o islamismo com 1,6 bilhão de pessoas; o hinduísmo com 1,0 bilhão de pessoas e o budismo com pouco mais de 900 milhões de pessoas.

Esses grupos religiosos representam mais de 70% da população da terra e em seus livros sagrados constam vários ensinamentos e princípios doutrinários que exortam seus fiéis a respeitarem o meio ambiente, a natureza, a biodiversidade como criação divina e não algo a ser utilizado de maneira utilitária e predatória, mas respeitando o princípio da sustentabilidade que é fundamental para que as próximas e futuras gerações possam também usufruir dos bens da natureza que estão inseridos na ideia do bem comum e da nossa casa comum.

Na “Laudato Si”  o Papa Francisco destaca que “Espero que esta carta encíclica, que se insere no magistério social da Igreja, nos ajude a reconhecer a grandeza, a urgência e a beleza dos desafios que temos pela frente” e a mensagem da encíclica segue afirmando “ Poderemos assim propor uma ecologia que, nas suas várias dimensões, integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o rodeia”.

As relações tanto sociais, econômicas, culturais quanto politicas devem ter o mesmo peso que nossas relações com a natureza. Fruto dessas relações, quando as mesmas não são guiadas pelos princípios da ética, da justiça, da sustentabilidade, da equidade e da fraternidade é o surgimento de sociedades opressoras, que geram exclusão, pobreza, miséria, desperdício, lixo em abundância, ganância, prepotência, degradação e crimes ambientais.

Existe um liame perfeito entre os princípios de uma “Igreja em saída”, missionária, comunitária, misericordiosa e também profética, que não pode compactuar com o desrespeito aos direitos fundamentais das pessoas, onde estão incluídos o direito `a vida, ao trabalho, `a dignidade, a liberdade, à busca da felicidade e, também, o direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente integrado.

Governos que não dão importância e não respeitem o meio ambiente, cujas politicas públicas estimulam a destruição e degradação ambientais, a morte da biodiversidade, ao uso indiscriminado de agrotóxicos, à poluição do ar, das águas, do solo estão na contramão dos ensinamentos e das exortações da “Laudato Si” e precisam ser denunciados como coadjuvantes de prática ambientais predatórias e criminosas.

Como exemplo dessas relações, reafirmando que tudo “está interligado”, a “Laudato Si” reafirma de forma peremptória que “a relação íntima entre pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado  no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender  a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos e a grave responsabilidade  da politica internacional e local, a cultura do descarte (e o desperdício) e a proposta de um novo estilo de vida”.

Enfim, a “Laudato Si”, tanto como uma encíclica em si mesma quanto uma exortação dirigida a todas as pessoas, independente de raça, cultura, credo, classe social, nos vários continentes e países, inclusive no Brasil, nos chama à responsabilidade em relação ao futuro do planeta, não apenas enquanto exercício intelectual mas, fundamentalmente, como bases e princípios para a ação como cidadãos e cidadãs conscientes e que agem coletivamente. Esta é a grande exortação que podemos extrair da Encíclica Verde e dos ensinamentos do Papa Francisco.

Não fosse a pandemia do coronavírus, esta semana seria plena em termos de eventos como ações em defesa do meio ambiente, seminários, palestras, fóruns de debates e discussões do conteúdo desta que é chamada de ENCÍCLICA VERDE.

Mesmo que o COVID-19, que já infectou mais de 4,57 milhões de pessoas, levando a morte 308,3 mil pessoas no mundo e 220,3 mil casos e 15,2 mil mortes no Brasil, esteja limitando, sobremaneira, nossas ações tanto pelo estado de emergência em que vivemos quanto no isolamento/distanciamento social a que estamos sendo submetidos, mas mesmo assim, podemos agir virtualmente, aprofundarmos nossas reflexões, ler e reler esta Encíclica, procurarmos entender as suas propostas de ação, principalmente quando o PAPA FRANCISCO e diversas cientistas, estudiosos das questões ambientais apontam que o caminho para superarmos os desafios mundiais que estão se agravando, principalmente decorrentes das mudanças climáticas e crimes ambientais é a ECOLOGIA INTEGRAL.

Algumas pessoas costumam dizer que for a da ECOLOGIA INTEGRAL não existe salvação para o planeta, tudo o mais são medidas paliativas que apenas vão retardar o grande desastre ambiental ou tentar mitigar seus efeitos.

Esta é apenas uma parte do que devemos levar em consideração quando estamos iniciando esta SEMANA ESPECIAL, dedicada para comemorar o quinto aniversário da “LAUDATO SI”.

Quem desejar se aprofundar mais no conteúdo da Encíclica Verde, basta entrar em qualquer site de busca na internet e vai encontrar tanto a “Laudato Si”, em sua integra, quanto diversas estudos sobre a mesma e os temas nela tratados, principalmente o que é a ECOLOGIA INTEGRAL, como o caminho para superarmos esses desafios que tanto nos afligem e a partir dos quais, com toda certeza, se nada for mudado, algo muito pior e mais terrível do que o COVID-19 e todas as pandemias que já ocorreram no mundo que ceifaram bilhões de vida, deverá ocorrer que será o grande desastre ambiental, um verdadeiro apocalipse, algo que muita gente diz que será o “Armagedon”, que poderá destruir se não totalmente, pelo menos a grande maioria da espécie humana.

Mesmo assim, ainda existem pessoas e governantes totalmente alienados, despreocupados, inclusive no Brasil, com as questões ambientais, que poderão provocar desastres que surgirão quando menos se esperar como aconteceu com o coronavírus, que pegou o mundo todo muito despreparado, apesar de que todos ou a grande maioria dos governantes saberem que existia e continua existindo a probabilidade de uma “Guerra bacteriológica” e mesmo assim, nada  fizeram para prevenir este desastre humano, social e econômico que está sendo e será o CONVID-19.

Já que estamos em isolamento social, muita gente sem ter o que fazer, talvez este seja o momento, durante esta semana especial dedicada ao quinto aniversario da “Laudato Si”, lermos ou relermos esta Encíclica, discutirmos virtualmente o seu conteúdo e nos preparamos para um maior ativismo ambiental a partir da retomada no pós CORONAVIRUS, quando a retomada a economia deverá respeitar ainda mais o meio ambiente e a sustentabilidade.

Gostaria , para finalizar esta reflexão, de enfatizar o que consta do item 137 da “Laudato Si”, que, a meu ver, é o âmago desta Encíclica, quando  o Papa Francisco  destaca que “Visto que tudo esta intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a refletir sobre os diferentes elementos de uma ECOLOGIA INTEGRAL, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais”.

Assim, mesmo que já tenham se passado cinco anos desde que surgiu esta Encíclica, seus princípios, exortações e ensinamentos estão perfeitamente atualizados para os dias de hoje. Nunca o mundo precisou tanto desses ensinamentos como no atual momento crítico de nossa história.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular, aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy
 
 

 

Sexta, 06 Março 2020 14:41

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

à medida que a crise ambiental, com destaque para as mudanças climáticas, se agrava, boa parte dos países, das lideranças mundiais, das organizações não governamentais e de um grande número de pessoas conscientes da gravidade e da urgência desta que é, sem duvida, a maior crise que o planeta enfrenta nos últimos séculos , percebemos que o tempo e a hora de agirmos está se esgotando inexoravelmente, antes que uma grande catástrofe coloque em risco a própria sobrevivência da espécie humana.

Isto não é alarmismo, apenas uma visão de future baseado em in formações científicas que estão à disposição até mesmo das pessoas mais simples.

Ou lutamos de verdade e não apenas com palavras para enfrentar a degradação ambiental ou um verdadeiro desastre, de proporção catastrófica irá se abater sobre a humanidade. Agora estamos diante de uma já quase pandemia decorrente do CORONAVIRUS, que já infectou quase cem mil pessoas e levou a óbito/morte pouco mais duas mil pessoas. Um verdadeiro pânico esta tomando conta do mundo, é o assunto que domina os meios de comunicação, abala as bolsas de valores ao redor do mundo, desestabiliza a economia e as finanças mundiais.

No entanto, a poluição do ar mata a cada ano mais de sete milhões de pessoas no mundo. Segundo dados da ONU e suas agências especializadas, incluindo a Organização Mundial da Saúde, em 2018 existiam 24,5 milhões de pessoas com AIDS, 228 milhões com malária e 10 milhões com tuberculose. As mortes decorrentes somente dessas três doenças no mesmo ano foram: AIDS, 770 mil óbitos; malária 405 mil e tuberculose 1,5 milhão; ou seja, total de 1,675 milhão de mortes. Outras informações indicam que só a FOME levou a óbito/matou mais pessoas do que essas três doenças juntas.

Todavia, mesmo diante de uma catástrofe como esta, onde quase dez milhões de pessoas morrem por doenças já conhecidas, diagnosticadas e que tem tratamento, ou diante da morte de milhões de pessoas só por poluição do ar, sem falar de outras mazelas ambientais que acabam também levando a morte a milhões de pessoas, como a falta de saneamento básico, falta de acesso à água tratada, habitações precárias e sub-humanas, essas tragédias pouca atenção recebem por parte de governantes, da mídia ou até mesmo por parte da população que parece estar a cada dia mais anestesiada diante de uma catástrofe sem precedente, decorrente da degradação ambiental.

É bom também mencionar que por ano 1,35 milhão de pessoas morrem em acidentes de trânsito nas avenidas/ruas das cidades e nas rodovias ao redor do mundo; mais 2,35 milhões de trabalhadores morrem vitimas de acidentes de trabalho; 464 mil são vitimas de homicídios a cada ano; por suicídio em 2017 foram 800 mil casos e óbitos/mortes por todos os tipos de câncer em 2017 foram 9,6 milhões de casos.

Alguém ou enfim, os leitores deste artigo, podem estar se perguntando, o que tem tudo isto a ver com o titulo do artigo? Passo a responder este questionamento relembrando que existe um silêncio conivente e pecaminoso quanto à crise ecológica e suas consequências, que na linguagem do Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si (139), quando afirma “Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma e complexa crise sócio ambiental. As diretrizes para a solução desta grave crise requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza”.

Diante deste Quadro complexo e grave, mesmo assim o Papa Francisco vê sinais de um novo despertar mundial (Laudato Si 19) ao afirmar que “ Depois de um tempo de confiança irracional no progresso e nas capacidades humanas, uma parte da sociedade está entrando em uma etapa de maior conscientização. Nota-se uma crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza e cresce uma sincera e sentida  preocupação pelo que está acontecendo com o nosso planeta”.

Este despertar pode ser notado em relação a diversos governantes, organizações da sociedade civil, `as universidades, comunidade científica internacional, clubes de serviços, entidades esportivas, escolas e, também, em diversas igrejas ou grupos religiosos, com destaque para a Igreja Católica que tem mais de 1,2 bilhões de seguidores ao redor do mundo, evangélicos articulados pelo Conselho Mundial de Igrejas com mais de 500 milhões de fiéis; Igreja Católica Ortodoxa, diversas outras igrejas evangélicas como Luterana, Batista, Metodista, presbiteriana, algumas neopentecostais e até mesmo entre mulçumanos.

Essas igrejas/religiões possuem milhões de templos e locais de adoração, enfim, locais onde semanalmente ou até mesmo diariamente reúnem bilhões de pessoas ao redor do mundo para orarem/rezarem, ouvirem prédicas, homilias, sermões, estudarem as sagradas escrituras ou seus livros sagrados.

À medida que o despertar da consciência ambiental ou o que o Papa Francisco e diversos teólogos de diferentes credos religiosos denominam de conversão ecológica, tendo em vista que o desrespeito e a degradação ambiental é um pecado, o chamada pecado ecológico; neste contexto o papel das Igrejas na defesa, na preservação e conservação do meio ambiente é de suma importância. E este despertar deve ser convertido em obras, ações e não apenas em palavras.

Não se trata de transformar as igrejas em ONGs ou centros de debates ideológicos, mas sim, inserir a questão da ECOLOGIA INTEGRAL no contexto da fé que cada grupo religioso professa,  analisar e agir dentro dos parâmetros que tais textos indicam, afinal, para quem acredita que “ Deus, ou a divindade que seja o princípio criador, todas as obras na natureza foram criadas por Ele, inclusive o ser humano”. Assim, o papel das igrejas, religiões em geral e da Igreja Católica em particular é maior ainda pelas razões bem conhecidas.

Existem diversos sinais deste despertar, principalmente a partir do inicio da década de 1970, quando da publicação dos resultados dos trabalhos da Comissão Mundial sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, que passou a ser conhecido como “NOSSO FUTURO COMUM”. Ao longo dessas praticamente 5 décadas a ONU tem feito um grande esforço para abrir espaço em suas Assembleias Gerais e outros fóruns internacionais buscando aprofundar o conhecimento científico sobre a crise ecológica e os riscos da degradação ambiental, principalmente para as futuras gerações.

Diversas conferências de Meio ambiente foram realizadas como a ECO-92 e a Rio+20, ambas em nosso país, os vários tratados e acordos internacionais sobre o clima com destaque para Kyoto e o mais recente Acordo de PARIS, além dos trabalhos de grupos de cientistas que monitoram com seus estudos sobre a questão das mudanças climáticas e seus reflexos no planeta.

Foi também iniciativa da ONU o estabelecimento dos OBJETIVOS DO MILÊNIO, que vigorou até 2015, tendo sido substituídos pelos OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, ou agenda 2030, onde diversos dos 17 objetivos estão relacionados direta ou indiretamente com a questão socioambiental.

Cabe aqui alguns destaques ou realce para alguns desses objetivos, os quais foram firmados pela quase totalidade dos 195 países e territórios, inclusive pelo Governo brasileiro. Praticamente todos os 17 objetivos do desenvolvimento sustentáveis podem ser inseridos no paradigma da Ecologia integral. Vejamos: 1) Erradicação da pobreza; 2) Fome zero e agricultura sustentável; 3) saúde e bem estar; 4) Educação de qualidade; 5) Igualdade de gênero; 6) ‘Agua limpa e saneamento; 7) Energia limpa e acessível; 8) Trabalho decente e crescimento econômico; 10) redução das desigualdade dentro e entre países; 11) Cidades sustentáveis; 12) Consumo e produção sustentáveis; 13) Ação contra as mudanças climáticas; 14) Vida na água; 15) Vida Terrestre; 16) Paz, justiça e instituições eficazes.

Ora, se de fato, governantes e entes não governamentais estivessem de acordo com os compromissos firmados por praticamente todos os países, com certeza, tudo o que contém nos pressupostos e princípios da ecologia integral, nosso país e todos os demais não estariam enfrentando tantos problemas graves como os que já sobejamente conhecemos. O Brasil seria muito melhor e o mundo estaria em um novo patamar de desenvolvimento integral, diferente do que continuamos a perceber e sentir através da realidade tão cruel que dizima e exclui bilhões de seres humanos, o que não deixa de ser uma vergonha planetária.

Coincidindo com o “lançamento” dos objetivos do desenvolvimento sustentável, também em 2015, o Papa Francisco, de uma forma corajosa, destemida e inovadora publicou a chamada Encíclica Verde, a LAUDATO SI, que passou, desde então a ser uma referência tanto para a ação da igreja na questão do que se propugna seja não apenas um novo conceito, mas sim um NOVO PARADÍGMA, a chamada ECOLOGIA INTEGRAL quanto também para o agir das demais igrejas e credos religiosos. Como bem disse o Papa Francisco, a Laudato Si não é dirigida apenas aos Católicos, mas também “nesta Encíclica, pretendo especialmente entrar em dialogo com todos acerca da nossa Casa Comum”.

Para elaborar esta Encíclica o Papa Francisco guiou-se, primeiro, pelos princípios e verdades contidas na Bíblia Sagrada, secundado pela Doutrina Social da Igreja, desde a Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, passando pela Quadragésimo Ano de Pio XI em 1931; pela Encíclica Mater et Magistra de João XXIII em  1961; a Populorium Progresso do Papa Paulo VI em 1967; do mesmo Papa também a Encíclicas Octagésima Adveniens, de 1971  e as três Encíclicas do Papa, hoje São João Paulo II Laborens Exercens de 1981; Sollicitude Rei Socialis, de 1981 e Centesimus Annus de 1991, em comemoração ao centenário da Rerum Novarum.

Cabe aqui um destaque quanto `a “consolidação” que foi fruto do trabalho do Pontifício Conselho  de Justiça do Vaticano em 2004, quando houve uma sistematização no “compêndio” da Doutrina Social da Igreja. Deve-se também destacar que outras contribuições que ajudaram a elaboração do texto final da Laudato Si também vieram dos resultados do Concílio Vaticano II, através da Encíclica Gaudium et Spes (Alegria e Esperança).

Mesmo que alguns setores da Igreja enfatizem que houve um certo “rompimento” ou mudança de rumo entre o Papado de Bento XVI e das ênfases, orientações e exortações apostólicas do Papa Francisco, percebe-se, como mencionadas na Laudato Si, que por diversas vezes Bento XVI também apresentou suas exortações quanto à necessidade dos cuidados com o meio ambiente, com constantes de suas Encíclicas Deus Caritas est (2005) e Caritas in Veritate (2009) quando afirma “Por isso a Igreja, com sua ação, procura não só lembrar o dever de cuidar da natureza, mas também e sobretudo, proteger o homem da destruição de si mesmo”.

Nesta mesma linha de raciocínio Bento XVI  afirma na Encíclica Caritas in Veritate (2009) que “o mercado, por si mesmo não garante o desenvolvimento humano integral e nem a inclusão social. Entretanto temos um superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora”.

Além da influencia das diversas Encíclicas dos Papas que o antecederam, ao formular seu paradigma da ECOLOGIA INTEGRAL, o Papa Francisco se inspira também nos escritos do  jesuíta, teólogo e filósofo francês Pierre de Teilhard de Chardin, bem como nas obras de  Thomas Berry (1994), Leonardo Boff e Virgil Elzondo (1995), Michael Cohen (1993), Jacques Maritain. Todos esses pensadores e escritores refletiram sobre as inter-relações entre o ser humano e a natureza e a necessidade de uma abordagem integradora, holística.

De uma forma ou de outra surgiram diversos conceitos para possibilitar a análise da realidade ambiental e suas interrelações com o ser humano, na busca do “progresso” e “desenvolvimento”.

Leonardo Boff e Elizon tanto em 1995 quanto 1997 destacam que existe uma conjugação entre o grito da terra e o grito dos pobres e que somente através do paradigma da ecologia integral que leve em consideração os aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos e espirituais poderão viabilizar a ecologia integral em suas ligações necessárias para um desenvolvimento integral, sustentável, harmônico e, verdadeiramente, humano, que não gere pobreza, fome, miséria e nem exclusão social.

Para o Papa Francisco este é o caminho quando descreve essas realidades da ecologia ambiental, da ecologia econômica, da ecologia social, ecologia cultural e da ecologia politica, em uma nova síntese que seria a ECOLOGIA INTEGRAL e para complementar menciona também a Ecologia da vida humana, responsável pelo autêntico progresso que produza uma melhoria global na qualidade de vida humana e no espaço/território onde as pessoas transcorrem sua existência.

Fala também na Laudato Si (151) que “é preciso cuidar dos espaços comuns, dos marcos visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença, a nossa sensação de enraizamento, o nosso sentido de estar em casa, dentro da cidade (ou do território) que nos envolve e nos une”. Só assim, em minha opinião, a Igreja pode ter a “cara da Amazônia”, com sua diversidade cultural milenária, seus costumes, suas práticas religiosas, suas crenças e seus sonhos e ao mesmo tempo ser uma Igreja missionária, em saída, considerando sua opção preferencial pelos pobres e, ao mesmo tempo, uma Igreja acolhedora e profética, não temendo denunciar as injustiças e as práticas da violência, seja contra as pessoas ou o meio ambiente e a sua biodiversidade. A defesa da vida, em todas as suas formas, também faz parte da ecologia integral e é uma missão permanente da Igreja em todas as suas instâncias.

Como corolário do paradigma da Ecologia Integral o Papa Francisco destaca os três “T” Terra, teto e trabalho, que são condições necessárias e fundamentais para a dignidade das pessoas e dos povos não apenas da Amazônia mas também que se aplica as demais regiões dos países, principalmente na América Latina, Ásia e África, onde estão concentrados os maiores contingentes de pobres e excluído. No caso da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia esta ideia, foi reforçada de forma bem clara.

Nesta Exortação Apostólica, além de reafirmar a importância do Documento Final do Sínodo dos Bispos “Amazônia: novos caminhos para  a Igreja e para uma Ecologia Integral”, aprovado por ampla maioria dos participantes, Francisco aponta alguns de seus sonhos para a Igreja e para a Amazônia, com destaque para:

a)     Um sonho social – “ o nosso é o sonho de uma Amazônia que integre e promova todos os seus habitantes para poderem consolidar o “bem viver”;  mas impõe um grito profético e um árduo  empenho em prol dos mais pobres;
b)      b) Um sonho Cultural – “ o objetivo é promover a Amazônia, isto, porém, não implica coloniza-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire o que for o melhor de si mesma;
c)      Um sonho ecológico – “numa realidade cultural como a Amazônia, onde existe uma relação tão estreita entre o ser humano com a natureza, a vida diária é sempre cósmica. Libertar os outros de suas escravidões implica, certamente, cuidar do seu meio ambiente e defende-lo”.
d)     Um sonho eclesial – “A igreja é chamada a caminhar com os povos da Amazônia…O caminho continua e o trabalho missionário, se quiser desenvolver uma igreja com rosto amazônico, precisa crescer numa cultura do encontro, rumo a uma harmonia pluriforme”.

Ao relatar este seu sonho ecológico, o Papa Francisco mencionada Bento XVI quando afirma “ Esta é primeira ecologia que precisamos. Na Amazônia, compreende-se as palavras de Bento XVI, quando dizia que “ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos  designar “humana”, a qual, por sua vez requer uma ecologia social”, esta é a ideia de que tudo esta conectado, tanto na Amazônia quanto nos demais território em todos os continentes, razão pela qual a ecologia integral é um novo paradigma que se aplica a todo o planeta.

Quando fala de seu sonho Eclesial Francisco destaca em sua Exortação apostólica (63) “A autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e defender seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica”.

Neste particular, inserido na ecologia integral Francisco fala da importância das florestas para a estabilização do clima; das águas; dos solos e da proteção e cuidados com os ecossistemas e a defesa da biodiversidade.

Para que a Ecologia integral seja possível de ser concretizada é necessário que a Igreja como um todo, suas estruturas eclesiásticas, bem como um engajamento mais firme por parte do clero e também do laicato, para que em todas as paróquias, comunidades, dioceses e Arquidioceses este novo paradigma inspire novas formas organizacionais, como as PASTORAIS DA ECOLOGIA INTEGRAL, os observatórios e inúmeras ações possam ser levadas a cabo tendo o meio ambiente e as pessoas como pontos de referência.

Neste particular merece uma reflexão especial e mais detida sobre o Documento Final  “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ECOLOGIA INTEGRAL”, aprovado por ampla maioria dos participantes do Sínodo dos Bispos para a Pan Amazônia.

No Capítulo que trata da Igreja que cuida da “Casa Comum” na Amazônia, este caminhar é explicitado em a) A dimensão socioambiental da evangelização, principalmente no item 79 quando afirma “A Doutrina Social da Igreja, que há muito tempo lida com a questão ecológica, é, hoje enriquecida com um olhar mais abrangente que abarca a relação entre os povos da Amazônia e seus territórios, sempre em dialogo com seus conhecimentos e sabedorias ancestrais”;  b) Igreja pobre, com e para os pobres a partir das periferias vulneráveis, onde no item 80 afirma textualmente “ Reafirmamos nosso compromisso de defesa da vida em sua integralidade, desde   a concepção até o seu ocaso e a dignidade de todas as pessoas”.

No Capítulo que trata dos Novos Caminhos para a promoção da ECOLOGIA INTEGRAL, no item que discute a “interpelação profética e mensagem de esperança para toda a Igreja e para o mundo inteiro”, podemos destacar as discussões sobre o “pecado ecológico” como “uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, contra a comunidade e contra o meio ambiente”, é também “um pecado contra as futuras gerações. Propõe ainda a necessidade da “criação de ministérios especiais para o cuidado da Casa Comum e a proteção da ECOLOGIA INTEGRAL no nível paroquial e em cada jurisdição eclesiástica, que tenham como funções , entre outras, o cuidado com o território e das águas, bem como a promoção da Encíclica Laudato Si. Assumir o programa pastoral educativo e de incidência da Encíclica Laudato Si, seus capítulos V e VI, em todos os níveis e estruturas da Igreja”.

O item b, indica a necessidade ou sugere a criação do Observatório sociopastoral da Amazônia, como mecanismo para fortalecer “a luta em defesa da vida”. Este observatório seria uma integração das ações dos diversos movimentos,  organismos, instituições e pastorais que atuam diretamente na ação evangelizadora da Igreja, incluindo REPAM, CARITAS, Centros de Direitos Humanos, Universidades Católicas, CIMI, CPT e outros mais.

Com certeza, a implementação da ECOLOGIA INTEGRAL, não apenas na Amazônia, como nas demais regiões do Brasil e de outros países Amazônicos e Sul Americanos é um novo e grande desafio para a Igreja, mas do qual ela não poderá fugir, sob pena de que todo o arcabouço de sua Doutrina social e todas as referências sobre meio ambiente contidos na Bíblia Sagrada sejam transformados em meros conceitos acadêmicos ou até mesmo em palavras mortas, neste sentido, e tendo em vista a opção preferencial pelos pobres, a Igreja não pode estar abraçada com os poderosos e de costas para o sofrimento do povo, isto também é um pecado ecológico.

Oxalá possamos refletir mais profundamente sobre toda esta complexa realidade e a urgência que a catástrofe ambiental esta a exigir de cada cristão e da Igreja como um todo.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy