Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Engana-se quem pensa que há paixão sem preço. A cada paixão, um custo, seja ele objetivo ou subjetivo. Logo, quanto mais paixão, mais gastos. E o preço de uma paixão pode atingir cifras inimagináveis.
Agora, sem mais delongas, vamos ao ponto central deste artigo, que sai publicado um dia antes da Paixão de Cristo, relembrada a cada sexta-feira santa, conforme os preceitos do catolicismo.
Dias atrás, li que o governo de MT – assim como governos de outros estados da Federação e o do Distrito Federal – não realizará o Auto da Paixão de Cristo este ano.
Em matéria jornalística, expedida pela assessoria de comunicação da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Setas), é dito que “a decisão fundamenta-se na necessidade de contenção de gastos com vistas ao saneamento das finanças públicas, priorizando os setores essenciais”.
Antes de falar dos detalhes mais importantes daquele texto, uma dúvida: por que a captação de recursos para a encenação da Paixão de Cristo, em MT, tem sido feita pela secretaria acima mencionada (Trabalho e Assistência Social), e não pelas de Cultura/Turismo, como poderia parecer mais óbvio?
Claro que minha pergunta não pressupõe que eu esteja defendendo a realização desse evento; ao contrário.
Agora, volto ao corpo da matéria jornalística. Ali, a assessoria da Setas teve a responsabilidade social de mostrar os gastos com esse evento nos últimos quatro anos. De 2011 a 2014 saíram dos cofres públicos R$ 11.249.391,51 para a Paixão.
Sim, caro leitor. Estamos falando de “milhões”. É grana com força!
Em 2011, conforme levantamento feito no setor de aquisições, a Paixão de Cristo – personagem bíblica que optou pelos pobres – custou aos cofres públicos a fortuna de R$ 3.224.733,00. Em 2012, mais R$ 2.355.532,00. Em 2013, outros R$ 2.024.275,00. Por fim, em 2014, arrebentaram a boca do balão: R$ 3.644.851,51.
Que paixão dolorida!
Diante desses números, várias dúvidas. Sintetizo-as em duas perguntas: 1ª) por que em 2014 foram gastos 1.620,546,51 a mais em relação ao ano anterior?; 2ª) só a inflação do período explicaria isso?
A essa altura do artigo, já deve ter leitor bem irado comigo, prejulgando-me, obviamente. Os mais enfurecidos, quiçá, desejando-me o fogo do inferno.
Calma! Como diz uma amiga minha, “sem ódio no coração”.
Pense comigo: Cristo nasceu numa manjedoura e morreu numa cruz. Logo, poderia ficar escandalizado e com olhos ofuscados com tantos telões de led e atores globais por perto; não acha isso tudo bem desnecessário, leitor? Ou por trás dessa Paixão há outras paixões mundanas em jogo?
Outra pergunta: cristãmente falando, não é mais importante que o Estado invista, de fato, recursos na “expansão do Sine no interior, na promoção da inclusão produtiva por meio da qualificação profissional e ampliação de vagas aos trabalhadores em condição de vulnerabilidade (pessoas com deficiência, egressos do trabalho escravo e mulheres) e também na assistência ao jovem no processo de transição escola-trabalho?”
Ademais, não seria mais pertinente e respeitoso que a Paixão de Cristo fosse celebrada apenas dentro dos templos afins? Por que o Estado, que somos todos nós, inclusive os ateus, tem de pagar por eventos assim?
Logo, meus cumprimentos aos agentes do Estado responsáveis por esse corte, ou por essa chicotada no lombo de alguns vendilhões dos templos contemporâneos. Só lamento que tais agentes não tenham dito a coragem devida de dizer mais uma verdade: que o Estado é laico, e que, por isso, não deve pagar por esse tipo de conta.